sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Chuvas não podem irrigar corrupção (Editorial)

Editorial de "O Globo"  

A cassação do prefeito Jorge Mario Sedlacek, expulso do PT, pela Câmara Municipal de Teresópolis, é esperado desfecho da indignada reação da sociedade às denúncias de desvios de verbas — nesta e em outras cidades da Região Serrana do Rio de Janeiro — destinadas à recuperação das áreas atingidas pela enxurrada de janeiro. Mas o impeachment deve servir também como providencial alerta.

Com a chegada do fim de ano e, com ele, do verão, aproxima-se a estação de grandes temporais em todo o estado. É período fértil para políticos, atravessadores de influência e empresários oportunistas tomarem como reféns vítimas de tragédias semelhantes às da serra fluminense e, com a dor delas, incrementar os balcões do toma lá dá cá das grandes negociatas com o dinheiro que, nessas situações, jorra sem grandes controles dos cofres públicos para ajudar municípios atingidos. 

São contundentes as evidências de que, pelo menos em Teresópolis e Nova Friburgo, um duto desviava para um bem azeitado esquema de corrupção verbas repassadas pelo governo federal para a reconstrução das cidades, como revelou O GLOBO em julho.

Diante dos fortes indícios de malversação de dinheiro público, a Controladoria Geral da União, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal abriram procedimentos para investigar como foram aplicados os R$ 100 milhões liberados pelo Ministério da Integração Nacional, cuja destinação até então não havia sido explicada pelas prefeituras contempladas.

No caso de Teresópolis, de acordo com investigação do MPF, base do processo de impeachment de Jorge Mario, os primeiros acertos da heterodoxa divisão da verba enviada à cidade foram feitos numa repartição da própria prefeitura, entre donos de empreiteiras e secretários municipais.

No caso de Teresópolis, de acordo com investigação do MPF, base do processo de impeachment de Jorge Mario, os primeiros acertos da heterodoxa divisão da verba enviada à cidade foram feitos numa repartição da própria prefeitura, entre donos de empreiteiras e secretários municipais.


Como emblemática e tragicômica marca desse avanço sobre um dinheiro que teria regado conluios, em vez de minorar o sofrimento de famílias atingidas pelas chuvas, boa parte das propinas pagas a funcionários municipais era distribuída dentro de um banheiro.

Um empresário assegurou ao MPF que o esquema se repetiu em pelo menos quatro municípios da Região Serrana. Não por acaso, o prefeito em exercício de Nova Friburgo, Dermeval Barboza Moreira Neto (PMDB), também foi convocado, por uma CPI instaurada na Câmara Municipal, a prestar esclarecimentos sobre o destino da verba enviada pelo Ministério da Integração.

Friburgo foi a cidade mais atingida pela enchente, e igualmente a que recebeu a maior parcela da ajuda federal. A cassação em Teresópolis e as cobranças dos vereadores de Nova Friburgo são ações positivas de resposta aos desmandos. Mas não são as únicas cabíveis. Elas são bons exemplos de atos que reparam más ações passadas, mas podem servir também como prevenção contra futuras tentativas de desvio de dinheiro público para bolsos privados.

Cautela que, por sinal, não parece estar se repetindo em programas de obras e de remoção de famílias que ocupam áreas de risco.

A corrupção é moralmente condenável, e a leniência que custa vidas é indesculpável. Juntas, elas põem na mesa a preocupante questão do risco de novas tragédias acontecerem.

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